Embora não seja uma questão nova, a cobrança de energia elétrica pela média de consumo, ciclicamente, volta a chamar a atenção da imprensa, dos Institutos de Defesa do Consumidor e, não raro, acaba chegando ao Judiciário, que é o destinatário da solução dos conflitos.
Com a triste chegada da pandemia de Covid-19, deflagrada há mais de um ano, o assunto voltou à tona, porque as distribuidoras passaram a cobrar as faturas ?calculadas pela média de consumo?, o que gerou em muitos casos, cobrança excessiva.
É verdade que a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) baixou a Resolução nº 878/20, autorizando a cobrança ? para evitar o deslocamento de funcionários das concessionárias nas ruas e, com isso, impedir a propagação do vírus ? pela média do consumo dos últimos 12 meses anteriores ou pela autoleitura (aquela indicada pelo próprio consumidor).
No entanto, a providência se revelou, na prática, ineficaz, sobretudo porque, se um estabelecimento se manteve fechado ou em atividade reduzida por boa parte do tempo nos últimos meses, ou até mesmo se chegou a encerrar seus serviços, como ocorreu, por exemplo, com mais de 10 mil bares e restaurantes em São Paulo, é evidente que o consumo caiu para zero, de tal forma que a média dos últimos 12 meses anteriores à pandemia certamente é arbitrária e causa prejuízos ao consumidor.
De outra banda, a maioria das concessionárias, não aceitou a autoleitura, alegando as mais variadas desculpas.
Como era de se esperar, o assunto chegou, então, às barras da Justiça, como dá conta notícia veiculada recentemente pela grande mídia sobre comerciantes que conseguiram judicialmente reduzir valores de contas de energia.
Conforme relatado em uma das reportagens, em Campinas, uma loja obteve sentença que proibiu a CPFL Energia de realizar a cobrança pela média. Pela decisão, do juiz Francisco Blanco Magdalena, da 9ª Vara Cível da Comarca de Campinas, ?a fatura deve ter por base o consumo efetivo de abril de 2020 (mês posterior ao início da pandemia) até enquanto durar a fase vermelha no plano de retomada do Estado de São Paulo e a imposição de fechamento dos shoppings centers. Entendimento contrário, conquanto digno de respeito, implicaria em forçar a autora ao cumprimento de obrigação desproporcional, suportando encargos excessivos por serviços não utilizados, sobretudo diante das restrições do poder público que reduziu drasticamente o movimento de clientes, em razão da pandemia provocada pela Covid-19?.
Mais recentemente, segundo noticiado pela imprensa, um restaurante da capital paulista também conseguiu anular sentenças feitas com base na média de consumo, que foram levadas a protesto. O magistrado ainda condenou a Enel a indenizar o consumidor em R$ 6,5 mil por danos morais pelos protestos, que julgou indevidos (Processo nº 1106035-60.2020.8.26.0100 da 7ª Vara Cível Central da Capital).
Para o magistrado Antonio Carlos de Figueiredo Negreiros, ?considerando que a ré, na prática, não disponibilizou meio hábil para o autor registrar a autoleitura, caberia à companhia realizar o faturamento com base na demanda mínima conforme carga instalada na unidade?.
De acordo com a concessionária Enel, em São Paulo, a cobrança foi adotada pela média de consumo entre os meses de março e julho de 2020, mediante autorização da Aneel, todavia, a leitura presencial pelos medidores foi retomada em agosto para todos os clientes, ocasião em que foi feito automaticamente o ajuste na conta de energia elétrica entre o que foi cobrado pela média e o que foi de fato consumido no período.
Como mencionado no prólogo destas considerações, o tema não é recente. Consoante o precedente abaixo, oriundo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 2008, já se discutiu questão similar relacionada ao faturamento da tarifa de água pelo consumo médio:
AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO ? CEDAE ? TARIFA DE ÁGUA ? HIDRÔMETRO ? EXISTÊNCIA ? COBRANÇA PELA MÉDIA DE CONSUMO ? IMPOSSIBILIDADE ? Cuida a hipótese de Ação de Consignação em Pagamento objetivando a regularização do pagamento das contas de água e esgoto do período de 10/06/2006 a 10/02/2007, 10/06/2007 a 10/01/2008 e de 10/05/2008 a 10/08/2008. ? Requerimento de troca de hidrômetro defeituoso. ? Cobrança pela média de consumo. Impossibilidade. ? Existindo hidrômetro, a cobrança deve se pautar pelo consumo real, ou pela tarifa mínima, caso o consumo seja inferior a 15 m3, para assegurar as despesas de operação e manutenção do serviço, conforme determina a legislação aplicável à espécie ? Sentença mantida. ? Recurso que se nega provimento.
(TJ-RJ ? APL: 01313820220098190001 ? Relator: Des. CAETANO ERNESTO DA FONSECA COSTA, Data de Julgamento: 09/12/2010, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL).
Ademais, não se descura que o fornecimento de energia elétrica se constitui numa atividade sujeita aos ditames do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078, de 11/09/1990.
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Diante de tudo isso, o que se constata é que as decisões dos Tribunais estão em alinhamento com os ditames do Código do Consumidor, cujo objetivo é defender os direitos dos cidadãos.
Como é fácil imaginar, a cobrança de consumo de energia elétrica deve ser feita com base no consumo, e não na média deste, que pode ser distorcida em razão de peculiaridades, como, por exemplo, o fato de os estabelecimentos se encontrarem fechados pela pandemia. É louvável, portanto, respeitados os entendimentos adversos, a intervenção oportuna da Justiça na defesa dos direitos da sociedade.
Por Jurandir de Sousa Oliveira, economista, advogado especialista em Direito Processual Civil e integrante da unidade Corporate do escritório Reis Advogados