No direito privado, em especial nas relações empresariais, a regra que deve prevalecer é a da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, devendo esta ser limitada. Essa, inclusive, foi a orientação do legislador quando da publicação da Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, que instituiu a ?Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica?.
Conforme se observa da exposição de motivos, ?a liberdade econômica é cientificamente um fator necessário e preponderante para o desenvolvimento e crescimento econômico de um país?, devendo-se garantir ?que os negócios jurídicos empresarias serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, aplicando-se as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado?.
Não por outra razão, o novo § 1º do art. 113 do Código Civil passou a disciplinar que a interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio, sendo vedado e não admitido o comportamento contraditório da parte, com ampla aplicação prática (venire contra factum proprium non potest). Logo, o legislador pátrio, de forma a fomentar as relações empresariais, que impactam diretamente nos investimentos e, consequentemente, no crescimento econômico de nosso País, procurou garantir maior segurança jurídica e previsibilidade nelas.
Não obstante a expressa disposição legal, a turbulência global decorrente da pandemia do novo coronavírus fez emergir, junto ao Judiciário, um elevado número de demandas almejando a revisão contratual.
No entanto, sensível à situação e ao impacto que a brusca revisão das relações empresariais poderia causar ao mercado, o Judiciário, em inúmeras situações, fez prevalecer o princípio da intervenção mínima do Estado, ressalvando que a revisão contratual determinada de forma externa às partes deve ser excepcional, sendo interditado ao Poder Judiciário atingir a esfera do Direito Privado das partes, desconstituindo o que foi livremente acordado e pactuado por elas, sob pena de ferimento do princípio do pacta sunt servanda.
Infelizmente, além da persistência e agravamento da pandemia, outros fatores surgiram e passaram a causar extrema preocupação no mercado, dentre os quais se destaca o perigo da revisão dos contratos futuros.
Como se sabe, a alta cotação do dólar e o crescimento da demanda mundial por alimentos estimularam uma valorização exponencial do preço das sacas de soja no Brasil, ocasionando um aumento de ações judiciais em virtude do possível descumprimento de contratos realizados em 2020.
Por um lado, a alta no preço da soja levou os produtores rurais a uma reflexão acerca das obrigações que foram firmadas anteriormente e a buscar a revisão dos contratos realizados com vistas a restabelecer o valor de venda do produto para um patamar mais próximo ao praticado pelo mercado no momento atual. Por outro lado, se agravou o receio dos credores, em especial das cooperativas e tradings sobre a possibilidade de não receberem seus produtos, em que pese muitas vezes já terem se comprometido com a venda deles para terceiros.
Estamos, dessa forma, diante de um cenário potencial de aumento da litigiosidade, que não é saudável para o mercado e, ao contrário, acarreta mais malefícios do que benefícios, pois, além de afastar investimentos, diminui a rentabilidade financeira das partes envolvidas e causa um dispêndio maior de recursos públicos, já que o Poder Judiciário passa a ficar sobrecarregado.
Nessa situação, passa a ser de fundamental importância que as partes busquem, sempre que possível, a utilização dos meios alternativos de solução de conflitos, em especial a mediação e a conciliação, de forma a obter o reequilíbrio contratual, se necessário, e evitar o colapso do Judiciário, que novamente será desafiado a julgar milhões de processos da noite para o dia.
Essa medida, inclusive, é uma das inovações trazidas pela lei 14.112/20, que entrou em vigência no dia 23 de janeiro de 2021, e trouxe importantes modificações na lei 11.105/05, conhecida como ?Lei de Recuperação Judicial e Falência?, dentre as quais se destaca o forte estímulo ao uso dos métodos autocompositivos de resolução de conflitos, agora expressamente previstos na Seção II-A: ?Das Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos Processos de Recuperação Judicial?.
Como indica o próprio nome da seção, a mediação poderá ser instaurada em caráter preventivo, ou seja, antes do processamento da recuperação judicial, bem como no curso do processo, inclusive em âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e Tribunais Superiores, sendo vedada a sua utilização apenas para se estabelecer a classificação dos créditos e para se discutir os critérios de votação em Assembleia Geral de Credores.
A lição que fica é: ?no fundo, rever o contrato é ainda respeitá-lo? (RIPERT, Georges). Entretanto, sendo necessário o reequilíbrio contratual, a eleição do meio adequado de resolução dos conflitos é o ideal a se buscar, já que além de sigiloso, seguro, econômico, aproximará as partes envolvidas, acarretando consequente satisfação em razão da solução rápida e eficaz.
Por Rodrigo Pereira Cuano, advogado da área Corporate do escritório Reis Advogados e especialista em Direito Processual Civil e reestruturação e recuperação de empresas