As recentes alterações promovidas pela lei 14.112/2020, que modificaram a legislação referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária são vistas pela equipe econômica do governo como fundamentais para auxiliar as empresas que passam por dificuldades financeiras.
Conforme parecer do relator, senador Rodrigo Pacheco, as alterações tiveram por objetivo conferir maior segurança jurídica aos processos de recuperação judicial, extrajudicial e falência, alinhando o Brasil às melhores práticas internacionais em casos de insolvência transnacional.
Realmente, algumas modificações se mostram positivas. No entanto, parte delas poderá trazer maior insegurança e, consequentemente, restrição ao crédito e ao financiamento para as empresas que se encontram em situação de crise.
Dentre algumas das medidas positivas, que auxiliam na previsibilidade e, consequentemente, em maior segurança jurídica, temos a regulação da prorrogação do stay period, segundo a qual esse prazo poderá ser prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal, o que se alinha com a experiência empírica e que pode ser observada nos estudos da 2ª Fase do Observatório de Insolvência, realizados pela ABJ – Associação Brasileira de Jurimetria, na qual se constata que “os números demonstram que o prazo de 180 dias não é razoável para a negociação de um plano, que via de regra leva o dobro disso”.
O que se espera, agora, é que essa regra não seja novamente flexibilizada, já que a previsão é de que ela poderá ocorrer uma única vez, em caráter excepcional. As regras de hermenêutica jurídica são claras no sentido de que não deve o intérprete criar, na interpretação, distinções que não figuram na lei. Logo, sendo uma medida de exceção, não poderá ser ela utilizada de forma indistinta e indiscriminada.
Outro grande destaque nas alterações promovidas é a melhor regulamentação do dispositivo do DIP Financing. Entretanto, em que pese a melhora da redação, a nova disposição não é tão clara quanto à instância deliberativa para a obtenção desses financiamentos, já que ora atribui tal competência à assembleia geral de credores, ora ao juiz, ora ao devedor.
A alteração realizada fomentou ainda a utilização de meios alternativos de solução de conflitos, prevendo o incentivo à conciliação e à mediação, que são ferramentas importantes de solução de conflitos e sua aplicabilidade já se comprovou relevante e eficaz nos mais diversos ramos do direito brasileiro.
Ao lado das melhorias, há pontos que certamente impactarão no mercado de crédito, diante da violação às garantias apresentadas e ao regime jurídico escolhido.
De início, as previsões dos artigos 56, §6º, V e 69-K, §1º demonstram claro agravamento de risco aos credores já que disciplinam (i) a isenção das garantias pessoais prestadas por pessoas naturais em relação aos créditos a serem novados no caso de apresentação de plano alternativo pelos credores e (ii) a extinção imediata de garantias fidejussórias e de créditos detidos por um devedor em face de outro no caso de restar deferida a consolidação substancial.
Importante destacar que o Banco Central do Brasil, na Consulta Pública n° 60/2018, apresentou proposta de ato normativo dispondo sobre critérios contábeis para constituição de provisão para perdas esperadas associadas ao risco de crédito pelas instituições financeiras, a qual tinha por objetivo promover a convergência da regulação contábil com padrões emanados do International Accounting Standards Board (IASB), que prevê a incorporação ao Plano Contábil das Instituições do SFN (Cosif) dos preceitos da norma internacional, em particular o pronunciamento IFRS 9 – Financial Instruments.
De acordo com o art. 6° da proposta do referido ato normativo, um dos critérios de avaliação da perda esperada associada ao risco de crédito dos instrumentos financeiros deverá considerar as características das garantias.
Logo, a alteração promovida prevendo a supressão das garantias sem a anuência do credor causará claro impacto para esses, que sendo instituições financeiras deverão, de início, constituir provisão suficiente para cobrir as perdas esperadas associadas ao risco de crédito (art. 9º), o que impactará sobremaneira a concessão de crédito.
Por fim e, sem que se tenha a intenção de esgotar os temas que foram objeto das modificações promovidas, tem-se a polêmica questão da possibilidade de o produtor rural requerer recuperação judicial mesmo sem o registro nos registros públicos de empresas.
Concluindo, o que se espera com essas alterações é que elas minimizem os efeitos da crise na empresa, auxiliando a recuperação de empresas viáveis e permitindo a liquidação eficiente de empresas falidas. Desta forma, preservando o valor dos ativos, que pode ser revertido à recuperação do crédito dos credores e fomento à atividade empresarial, evitando que empresas “zumbis”, sem capacidade de investimento, geração de caixa e de riquezas possam se perpetuar no cenário empresarial, em evidente concorrência desleal com aquelas que mantêm a sua atividade de forma saudável. Prestigia-se, assim, maior previsibilidade e segurança jurídica, que foi a proposta do senador Ramez Tebet, no parecer do anteprojeto da Lei 11.101/05 ao prever que “deve-se conferir às normas relativas à falência, à recuperação judicial e à recuperação extrajudicial tanta clareza e precisão quanto possível, para evitar que múltiplas possibilidades de interpretação tragam insegurança jurídica aos institutos e, assim, fique prejudicado o planejamento das atividades das empresas e de suas contrapartes”.
Por Rodrigo Pereira Cuano, advogado da área Corporate do escritório Reis Advogados e especialista em Direito Processual Civil e Reestruturação e Recuperação de Empresas