Os ministros do STF, no julgamento de duas ações de inconstitucionalidade e do ARE 1267879 ocorrido na última sessão plenária de 2020, declararam a constitucionalidade da imunização obrigatória por meio de vacina, registrada no órgão da vigilância sanitária e incluída em programas de vacinação ou cuja aplicação obrigatória esteja determinada por lei federal, estadual ou municipal, embasada em aconselhamento médico-científico.
O ministro Luiz Eduardo Barroso, relator do ARE, fundamentou seu voto na primazia do interesse coletivo, destacando que embora haja garantia constitucional individual para o cidadão manter suas convicções filosóficas, morais, religiosas e existenciais, a liberdade individual de consciência não deve prevalecer sobre o direito à saúde coletiva, sendo dever do Estado proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade.
Importante ressaltar que, nos termos da decisão do STF, ?vacinação compulsória? não significa ?vacinação forçada?. Dessa forma, a obrigatoriedade deve ser implementada por meio de medidas indiretas, mediante restrição ao exercício de certas atividades ou de frequência em determinados lugares. Garantido, portanto, o direito de recusa à vacinação pelo indivíduo.
Publicada a notícia, inúmeros debates correlatos imediatamente se formaram e, com eles, a polêmica se o empregador poderia, ou não, obrigar seus funcionários a realizarem a vacinação.
O direito do empregador em exigir a vacinação, à luz da decisão do STF, deve ser analisado e interpretado de forma restritiva, tendo como princípios a garantia dos direitos individuais e a prevalência do interesse da coletividade dos trabalhadores; observado ainda como limites, o direito potestativo da relação de emprego, ou seja, o direito de exigir o cumprimento das regras previstas no contrato de trabalho e nas normas de direito laboral, dentre as quais se situam a obrigação de assegurar um ambiente de trabalho que não coloque em risco a saúde dos trabalhadores.
O ambiente seguro de trabalho, no que diz respeito à pandemia da Covid-19, equivale necessariamente ao cumprimento de todas as medidas sanitárias recomendadas e impostas pelas autoridades.
Neste contexto, considerando que cientificamente está comprovada a necessidade de vacinação em massa para conter a contaminação e baixar o índice de mortandade da população, a obrigatoriedade de vacinação em todo o território nacional já é ponto pacífico.
A exigência do empregador da vacinação, portanto, tem amparo legal na obrigatoriedade e na primazia do interesse coletivo de seus trabalhadores. Mas, diante da recusa do trabalhador, a punição deve ser medida e amparada nas características das atividades exercidas e condições do contrato de trabalho, sob o prisma do artigo 482 da CLT, que rege as hipóteses em que o empregador pode considerar falta grave do trabalhador, apta a aplicação de pena disciplinar.
Como se sabe, a aplicação de penalidade por falta grave ao empregado deve corresponder na justa medida à gravidade das consequências de seu ato gravoso.
Assim, em uma empresa cujo trabalho presencial é essencial, onde há um fluxo grande de pessoas (clientes), atraindo maior risco de contágio, visando proporcionar à coletividade dos funcionários um ambiente de trabalho seguro, pode o empregador, sim, exigir do trabalhador o comprovante de vacinação para o exercício de suas atividades. Nessa situação, a recusa à vacinação obrigatória caracterizará falta grave prevista no artigo 482, alínea ?h? da CLT, insubordinação que acarreta perigo à saúde dos demais trabalhadores.
Vislumbramos que, em alguns casos, a recusa à vacinação pode caracterizar perda de requisito estabelecido em lei para o exercício da profissão, falta grave prevista no artigo 482, alínea ?m? da CLT, por exemplo, trabalhadores em transporte aéreo internacional, trabalhadores em hospitais e demais empresas de atendimento em saúde.
Por outro lado, nas empresas cujas atividades são realizadas pelo sistema de teletrabalho, ou outra modalidade home office, a recusa do trabalhador à vacinação não o torna inapto ao exercício das atividades profissionais. Portanto, o mesmo não comete falta grave ao recursar-se à vacinação.
Há de ser destacado, por fim, que autoridades judiciárias do trabalho e outras vozes de órgãos fiscalizadores já se manifestaram no sentido de que a manutenção da relação de trabalho deve se sobressair à ruptura contratual, mesmo diante da recusa à vacinação pelo trabalhador.
Concluímos, assim, que a melhor medida a ser implementada pelos empregadores para alcançarem o cumprimento das normas sanitárias e, consequentemente, proporcionar um ambiente de trabalho com segurança para a saúde de todos é fornecer informação, promover conscientização e criar meios de esclarecimentos de dúvidas. De modo a permitir maior número de adesão espontânea de seus colaboradores às campanhas de vacinação.
O exercício do direito de exigir e punir deve ser efetivado em circunstâncias de exceção sempre com moderação e na medida da gravidade das implicações decorrentes da recusa.
Miria Falcheti, gerente jurídica da área trabalhista do escritório Reis Advogados e especialista em Direito Material e Processual do Trabalho