Quando iniciei esse artigo, me veio à lembrança duas citações recorrentes sobre as seguradoras, inclusive no Judiciário, que são: ?seguradora não gosta de pagar indenização? e ?pelo devido cumprimento da função social do contrato de seguro?.
Como apaixonada pela área securitária, na qual iniciei minha carreira em 1994, essas afirmativas me incomodam, seja pelo seu contexto negativo, como se o principal interesse da seguradora fosse o lucro, e não a proteção da mutualidade, seja pelo fato de que tudo se justifica em nome da ?função social do contrato?, muitas vezes, de maneira indiscriminada e sem a devida observância das cláusulas contratuais.
E toda vez que escuto ou leio essas afirmações me recordo dos ataques suicidas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, e do tsunami que atingiu especialmente o Japão em março de 2011.
Quando da ocorrência dos dois eventos eu trabalhava em seguradoras japonesas e pude acompanhar de perto a preocupação e desempenho do mercado segurador em entender e atender rapidamente as necessidades de seus segurados, conferindo todo apoio necessário para o pagamento das indenizações, tanto no seguro de danos, quanto no seguro de pessoas.
Com relação aos ataques suicidas de 2001, em que pese na época haver rumores sobre a possibilidade de as seguradoras negarem o pagamento das indenizações, sob a alegação de tratar-se de risco excluído por ?ato de guerra?, ideia defendida por alguns políticos em seus discursos, não foi o que aconteceu.
As seguradoras realizaram o pagamento de mais de US$ 23 bilhões em indenizações, levando certo conforto às famílias que perderam seus entes queridos e às empresas que tiveram negócios paralisados seus patrimônios arruinados após a queda das torres gêmeas do World Trade Center.
Por outro lado, na destruição causada pelo tsunami no Japão em 2011, a situação era extremamente desafiadora, uma vez que a catástrofe atingiu várias localidades ao mesmo tempo, comprometendo os meios de comunicação, o acesso aos locais de perícia, e até mesmo apresentação de documentos básicos de identificação dos beneficiários.
Lembro perfeitamente de participar de um evento anual da empresa, no qual trataríamos dos resultados do ano anterior e das metas para 2011. Estávamos no salão de um hotel, todos ansiosos pelas novidades e, para nossa surpresa, foram transmitidas imagens reais da destruição provocada pelo tsunami no Japão. Ficamos mudos; foi um choque imenso que causou grande comoção.
Na sequência, ao invés de uma apresentação financeira, nos deparamos com números, mas não de valores gastos com indenização. Eram dados sobre a quantidade de pessoas contratadas para atender as vítimas, tanto no call center quanto nas áreas de sinistros, responsáveis pela análise de documentos, vistorias para avaliar os danos e pela programação do pagamento das indenizações.
As providências internas, a reestruturação de procedimentos, a utilização de tecnologia para avaliar imagens, a fim de mensurar o valor a ser indenizado e, como resultado, o pagamento das indenizações com o mínimo de informações e no menor tempo possível, nos deixou realmente impactados.
Esse verdadeiro exército criado em pouquíssimas horas foi capaz de atender milhares de pessoas, indenizar, apoiar famílias sobreviventes que tinham perdido tudo.
Essa apresentação me fez entender a importância do seguro na vida daquelas pessoas e para a reconstrução do próprio país, inclusive de sua economia.
Hoje estamos frente a um novo desafio: uma pandemia que teve início em dezembro de 2019 e já ocasionou mais de 3,3 milhões de mortes no mundo todo.
E, mais uma vez, as seguradoras, apesar de estarem diante de risco expressamente excluído das apólices, têm trabalhado incansavelmente para viabilizar os pagamentos de indenizações aos seus segurados, evitando discussões judiciais e cumprindo sua função social.
Vale destacar que se encontra em trâmite o Projeto de Lei 2.113/20, de iniciativa da senadora Mara Gabrilli, para alteração da Lei 13.979/2020, a qual dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus, responsável pelo surto de 2019.
De acordo com o projeto, nos seguros de assistência médica ou hospitalar, bem como nos seguros de vida ou de invalidez permanente, não poderá haver restrição de cobertura a qualquer doença ou lesão decorrente da Covid-19. A proposta também visa conceder ao segurado a garantia de manutenção das coberturas contratadas, mesmo diante de sua inadimplência no pagamento do prêmio, assim como o direito de, após o período, parcelar o débito antes de o contrato ser suspenso e/ou cancelado.
Já havia um consenso entre a maioria das seguradoras, desde março de 2020, sobre a concessão da cobertura decorrente de sinistro provocado pela Covid-19. Evidentemente, as seguradoras estão se adaptando para não comprometer o equilíbrio financeiro, e não poderia ser diferente, afinal de contas estariam prejudicando a mutualidade e comprometendo todos os demais segurados.
Não podemos deixar de observar que o Projeto de Lei 2.113/20 interfere na dinâmica da relação contratual e pode impactar negativamente o setor securitário, afetando o próprio fundo, ao permitir que haja um inadimplemento sem que isso afete a manutenção do contrato.
Assim, caberá às seguradoras antecipar os reflexos da aprovação do PL no mercado, como, por exemplo, criando procedimentos internos e adequando sua tecnologia para prever o desconto do valor do prêmio quando do pagamento da indenização em casos de inadimplência.
Como disse anteriormente, sou uma apaixonada pelo Direito Securitário e tenho plena convicção da importância desta atividade para a economia mundial, bem como para a manutenção do equilíbrio patrimonial e financeiro de milhares de segurados e de suas famílias.
Por Kátia Wilchinsci, advogada especialista em Direito Securitário do Reis Advogados (SP)