O crescente número de pedidos de recuperação judicial das empresas no Brasil, especialmente em São Paulo, desde o início de 2020 e mais fortemente após o surgimento da pandemia da Covid-19, vem tendo fortes reflexos no mundo jurídico e negocial. Estes se somam ao impacto dessa crise sem precedentes na sociedade, com o aumento do número já bastante elevado de desempregados, além de privar de rendimentos um enorme contingente de trabalhadores autônomos e informais. Isso pode significar novos desafios para a recuperação de crédito.
Nesse cenário, adquirem importância especial algumas peculiaridades na defesa dos direitos dos credores das empresas em recuperação judicial. Uma delas diz respeito à desconsideração da
personalidade jurídica. Embora a pessoa jurídica seja detentora de direitos e obrigações absolutamente autônomas, a legislação civil determina que, em certas situações, a pessoa física dos sócios da organização, assim como dos seus administradores, responderá por meio de seus
bens particulares pelas responsabilidades da empresa, inclusive patrimoniais, conforme art. 790, VII, do novo Código de Processo Civil (CPC).
Antes dessa lei, a consequência era a falência direta. Mas, para a desconsideração, é fundamental a prova concreta de que a finalidade da pessoa jurídica foi desviada. É, portanto, imprescindível que haja efetiva comprovação da fraude ou do abuso de direito relacionado à autonomia patrimonial. Além disso, é necessária a existência de uma pessoa jurídica, e que não se trate de responsabilização direta do sócio, por ato próprio.
Os desafios para a recuperação de crédito, entretanto, são árduos, tendo em vista que, diante da crise da pandemia, os CPFs talvez não consigam proporcionar o efeito esperado com a desconsideração da personalidade jurídica. Se os CNPJs foram tão violentamente atingidos e muitas empresas sucumbiram, por certo que os CPFs (sócios ou administradores) também sofreram desmoronamento financeiro, sem contar a desvalorização imobiliária, que derrubou o valor dos imóveis.
Então, durante um período de anormalidade jamais visto como o atual, que afetou a vida das pessoas e suas atividades em quase duas centenas de países, e que não se sabe ao certo quanto tempo durará, é preciso ter em conta que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica parece não socorrer aos credores da mesma maneira, quando da normalidade, pois as pessoas físicas também podem ter ficado descapitalizadas e sem ativos. Só o tempo dirá!
Feitas essas considerações, é importante salientar que o estímulo à liberdade de contratar deve somar-se ao estímulo à saída negocial tanto quanto possível, sobretudo porque a falta desta pode levar ao excesso de processos judiciais e, consequentemente, ao colapso do Poder Judiciário.
Dr. Jurandir de Sousa Oliveira, economista e advogado especialista em direito processual civil, integrante da unidade Corporate, especial para Reis News