Depois de um panorama geral acerca da Medida Provisória 1085/21 e de seus (bons) impactos na atividade de incorporação imobiliária, também se faz necessária análise do seu efeito na oferta de crédito.
O impacto desta norma está atrelado a um aspecto crucial para o desenvolvimento do País que é a precificação dos juros cobrados do tomador do crédito. Dentre os diversos componentes que compõem a precificação, dois merecem destaque em nossa análise. Um é o risco de inadimplência e o outro o custo operacional.
Vamos entender a correlação da inadimplência e a precificação dos juros: quanto maior o risco da inadimplência, maior será o efeito na taxa de juros cobrada. Muito deste risco pode ser mitigado na medida em que se atrela uma garantia à operação de crédito, que deve se revestir de boa liquidez e, ao mesmo tempo, haver um cenário de forte segurança jurídica e celeridade necessárias para a recuperação do bem (móvel ou imóvel).
Na outra ponta temos a redução do custo operacional, que está intrinsicamente ligada à viabilidade ? prática e jurídica - de implantação de alternativas seguras que reduzam os custos de tempo e burocracia sem que haja impacto na qualidade do produto e/ou serviço entregue ao cliente.
Sob tais prismas analisamos a Medida Provisória 1085/21 e traçamos as considerações abaixo:
1. Um novo cenário se forma no mercado de crédito...
Empréstimo garantido por imóvel é, atualmente, mais seguro nos aspectos de registro e retomada do bem. É verdade que possui um espaço enorme de crescimento no Brasil; mas isso é assunto para outro artigo.
Por outro lado, operações de crédito garantidas por bens móveis ? com exceção de financiamento de veículos e equipamentos - é insipiente. O baixo volume deste tipo de operação é resultante, em grande parte, das dificuldades no registro, publicidade e execução da garantia, representando a insegurança jurídica e o alto custo da operação.
Cada dia mais, pessoas físicas e jurídicas necessitam de crédito para alavancar seus negócios sem que, no entanto, tenham disponibilidade de ofertar um imóvel como garantia a um empréstimo. Contudo, muitas delas tem à sua disposição um bem móvel que facilmente seria aceito para garantir a operação e, por consequência obter crédito mais barato.
Neste sentido, a norma em análise permite que uma nova realidade se construa. E, esta possibilidade está representada:
a. pela inclusão, no artigo 129 da Lei de Registros Públicos, do ato de registro da cessão de direitos e créditos, reserva de domínio, arrendamento mercantil e alienação fiduciária de bens móveis, que somados ao registro das constrições judiciais ou administrativas que recaem sobre bens móveis (corpóreos ou incorpóreos) e a consulta unificada via SERP gera a visão detalhada da qualidade da garantia, e;
b. embora só tenha vigência a partir de 01/01/2024, pela alteração do artigo 130 da LRP, referente aos locais onde devem ser registrados os atos enumerados nos artigos 127 e 129 (bens imóveis e móveis), que representam a verdadeira cereja do bolo, ao afastar a obrigatoriedade do registro em diversos locais quando devedor e credor possuírem domicílio em locais diversos.
Tais disposições representam um ganho imensurável para a dinâmica e segurança jurídica das operações garantidas por bens móveis e possibilitam à população em geral acesso a crédito mais barato.
No tocante ao crédito garantido por bens imóveis, merecem destaque as alterações na Lei 4591/64. A primeira delas, no que diz respeito à extinção do patrimônio de afetação, mediante o fortalecimento das previsões acerca das hipóteses em que a extinção está condicionada à emissão, pelo agente financeiro, de documento expresso dando quitação às obrigações contratuais assumidas.
A previsão contida no parágrafo 1º, do artigo 32 da mencionada Lei, viabilizou o financiamento do imóvel ainda na planta (em fase de obra), permitindo um período mais longo para o repasse, possibilitando a quitação antecipada do plano empresário e, em especial a garantia da alienação fiduciária sobre a unidade (fração do terreno) de forma a termos a rápida retomada e venda do bem em caso de inadimplemento do mutuário.
Merecem destaque, também, a inclusão na Lei 13.097/15 dos parágrafos 1º e 2º ao artigo 54 que fortalecem o princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel, protegendo o terceiro de boa-fé e reforçando a necessidade de registro ou averbação, pelo terceiro interessado, de atos que possam ocasionar a indisponibilidade ou gravames sobre o imóvel. Espera-se com esta inclusão que a realidade da prática negocial se reflita nas decisões judiciais, dado que a dispensa de apresentação das certidões, deixe de ser considerada em futuros julgamentos como uma prova da má-fé do terceiro adquirente prevista na Súmula 375 do STJ.
Da análise observa-se o fortalecimento de alicerces importantes ao mercado de crédito que, como exposto, trazem mais segurança jurídica e um cenário muito mais favorável às operações com garantia e, repita-se, à oferta de crédito mais barato.
2. Impactos práticos no dia a dia da contratação do crédito e o impacto no custo operacional:
O vai e vem de documentos, reconhecimento de firmas, busca de certidões e de outros documentos públicos necessários para a contratação exigem, do tomador e do concedente do crédito, uma peregrinação pelos diversos Cartórios, grande dispêndio de tempo e, não raras vezes, interpretações legais diferentes entre as Serventias. Estes são antigos gargalos operacionais e componentes consideráveis na precificação do produto/serviço oferecido dado toda a infraestrutura necessária.
Neste aspecto, a implantação e funcionamento do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP), viabilizando o registro dos atos e negócios jurídicos, a recepção e envio de documentos e títulos, a expedição de certidões e a prestação de informações por meio eletrônico e de forma centralizada em conjunto com o atendimento remoto se traduz em um ganho absurdo de tempo em toda a dinâmica de contratação.
Ainda nesta linha destaca-se a autorização para que os registros e averbações dos fatos, atos e negócios jurídicos sejam recebidos pelos oficiais de registros públicos, quando cabível, por meio de extrato eletrônico ? cuja definição será disciplinada pela Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ.
A consulta centralizada acerca das informações de indisponibilidades, restrições e gravames existentes no bem objeto da garantia, bem como de informações importantes acerca do tomador do crédito ou terceiro garantidor agilizam sobremaneira as avaliações necessárias para prosseguimento da operação e risco na recuperação do crédito.
A norma traz a possibilidade de arquivamento da íntegra do instrumento contratual que pode vir a ser uma possibilidade de redução de custo operacional de guarda de documentos em situações específicas, desde que observados o quanto disposto no artigo 127-A, incluído na Lei de Registros Públicos.
Impossível não ressaltar que as medidas acima possibilitam ainda mais a utilização dos sistemas de inteligência artificial para obtenção de documentos, agilização na análise de informações e documentos e até mesmo na emissão do contrato, assinatura, averbação e registro dos contratos.
Aliás, especificamente neste ponto, seria excelente que se trabalhasse em um modelo unificado de matrícula e de outros documentos que representem o registro e/ou averbação de atos jurídicos, bem como formato de emissão de certidões ? inclusive e, principalmente, a forma de disposição de seu conteúdo. A leitura destes documentos por meio da inteligência artificial seria mais uma etapa no avanço deste mercado.
Autorizar integrantes do mercado financeiro ? observados os requisitos contidos nos parágrafos 4º e 5º, incluído ao artigo 206-A ? a efetuar o pagamento dos atos pertinentes à vista de fatura é mais uma das benesses trazidas para o dia a dia da operação.
Por fim e não menos importante, a equiparação dos prazos ao já estabelecido na legislação processual, assim como a definição de prazos para emissão de certidões, registros de documentos e devolução de exigências são aspectos muito positivos.
Vale lembrar, por fim, que em paralelo está em trâmite o Projeto de Lei 4188/21 que dispõe sobre o serviço de gestão especializada e o aprimoramento das regras de garantia e outros temas que, se aprovado, consolidará o cenário favorável à ampliação de acesso a crédito mais barato no País.
O time do jurídico Imobiliário do Reis Advogados segue acompanhando de perto o tema e compartilhando maiores detalhes sobre a Norma, sua tramitação e eventuais alterações.
Acesse a íntegra da MP 1085/21
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Por Daniela Veltri, gerente jurídica da área de Direito Imobiliário do Reis Advogados (SP)